Figuras
Caitiff
Mizael Amado Prado
Fui transformado em uma noite fria de inverno em um beco em Lisboa, Portugal, em 1950. Para minha família, eu estava morto, mas para mim, a vida estava apenas começando. Lembro-me de ter acordado no necrotério e fugido de todos os que conhecia. Meu rosto estava impresso em postes e jornais da época, mas eu não mais me reconhecia, quando me olhava nos reflexos das poças, via alguém belo, de olhos arroxeados e uma certa ingenuidade, eu não era mais o mesmo, por mais que vários me apontassem o dedo e diziam ser. Minha antiga vida se perdeu em minha memória, mas não é algo que eu sinta falta. Nos primeiros anos, vaguei sorrateiro pelos becos, tentando compreender a escuridão dentro de mim. Fui guiado por uma voz em minha cabeça que chamei de Alma, e por azar ela me levou até outros Kindred. Um tiro no escuro que me deixou com cicatrizes e grandes marcas de dano. As escolhas que fiz ao me juntar a outros vampiros, seduzido por laços de sangue e comportamentos extremos, me trouxeram sofrimento e fragilizaram ainda mais minha psiquê. Sem um senhor para me dar uma linhagem, eu me sentia indigno de respeito entre os da minha espécie e não podia confiar em ninguém.
Anos depois, ganhei certa notoriedade na região pelas minhas incursões, me tornei digno e alcancei uma posição mais elevada aos olhos dos comandantes. Eles não sabiam, mas minha lábia vinha do trauma de ter aprendido a saber quando estas figuras utilizavam Presença e dominação contra mim, um eterno tormento. Eu decidi deixar tudo para trás quando encontrei um Malkaviano na Itália para ser meu tutor. Com ele, aprendi a ler as pessoas a minha volta, a usar o tarô para prever o futuro, afinal, sempre que ele tentava ele via desgraça para mim. Ele me ensinou a lutar, a ser seu protetor e eu me apaixonei-me por ele. Mas essa paixão se desfez quando o vi sendo decapitado em uma terrível cruzada. Naquele dia, meu coração se partiu, e a loucura tomou conta de mim. O tempo passou mais rápido do que eu podia compreender, e em 1990 tomei a liberdade de voar para o Brasil em um caixão improvisado. Sem documentos e sem nome, me tornei apenas uma sombra entre os mortais, moldando minha imagem com a ajuda e influência das vozes em minha cabeça. Minhas ações eram tão impulsivas e meus animais tão imperdoáveis que todos os religiosos que me avistavam começavam a rezar.
Já é óbvio que eu não acredito nos ideais da Camarilla, mas também guardo raiva da Anarquia, lembrando-me de como fui tratado em meus primeiros anos. Abandonado por aqueles que deveriam ter me protegido em momentos difíceis, mas fui a escória, o capacho, aquele que merecia servir apenas como um buraco, como uma bolsa. Esse era o preço. Mas qual era o meu valor?
Eu sou uma criatura atormentada, abraçando meu lado mais obscuro e distorcido. Minhas ações macabras refletem como vejo o mundo e as relações entre vampiros e humanos. A escuridão em meu coração é profunda, mas é nessa escuridão que encontro minha força e poder.